Neurodiversidade: funcionamos diferentes, e daí?

Já reparou como o mundo é rico em diversidade? Existem as mais diversas variações de cores, sabores, lugares, plantas, animais e pessoas. Mas parece que sempre que se esbarra neste último item todos precisam se encaixar dentro de um padrão imposto pela sociedade para serem respeitados como seres humanos.
Os padrões impostos são inúmeros: estética, poder, biotipo, porém como parte integrante da natureza somos semelhantes em algumas características e diferentes em outras, exemplos: na aparência, no sotaque, altura, cultura, cor, formas de encarar a vida, enfim.
E a maneira como cada cérebro funciona também. Há pessoas com o QI (Quociente de Inteligência que serve para medir a capacidade de raciocínio) mais alto, outras mais baixo, mas nem por isso menos inteligentes, porque cientificamente falando, todos somos capazes e podemos aprender habilidades para desenvolver melhor certas aptidões.
É por isso que o fato de uma pessoa ter uma disfunção no cérebro ou neurodivergência que a leve a ter problemas cognitivos, emocionais ou comportamentais não a isenta de sentir, sonhar, lutar e realizar suas tarefas em qualquer empresa em que esteja, desde que sejam oferecidas as condições mínimas de adaptação e principalmente, não haja preconceito.
Sim, porque boa parte das pessoas com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, Autismo ou Dislexia (distúrbio que dificulta o aprendizado e a realização da leitura e escrita) ainda sofrem discriminação por parte das organizações que não estão preparadas para abraçar a neurodiversidade ou perceber o quanto essas pessoas podem contribuir para o crescimento de qualquer empresa.
Você sabia que alguns tipos de cérebros neurodiversos se destacam por conseguirem manter o foco por mais tempo e possuírem uma capacidade maior para inovar e raciocinar logicamente?
Em entrevista para o site do Fórum Econômico Mundial, Nahia Orduña, gerente sênior em Analytics e Integração Digital da Vodafone, explica que essas pessoas possuem habilidades essenciais para o que se espera da Era Digital.
Deve ser por isso que empresas como o Google, a Ford e a Amazon estão desenvolvendo iniciativas de neurodiversidade no ambiente de trabalho. Todas elas já perceberam o potencial que essas pessoas possuem e o quanto “ser diferente” da maioria, também pode ser lucrativo e oferecer resultados acima da média, com baixo investimento em termos de aparatos para adaptações.
Em 1998, a socióloga australiana Judy Singer já defendia em sua tese a necessidade de promover a inclusão das minorias neurológicas. Ou seja, das pessoas que têm o funcionamento do cérebro diferente, geralmente difíceis de serem diagnosticadas, mas que podem conviver em nosso meio normalmente.
Por isso, falar de neurodiversidade tornou-se tão necessário, principalmente dentro do ambiente corporativo.
É importante reconhecer esse tema como parte de um movimento de justiça social, que tem se popularizado com a ajuda da mídia, das redes sociais e de celebridades que vêm a público falar sobre os seus transtornos e mostrar que todos podem viver com limitações, trabalhar e serem felizes se buscarem ajuda profissional, tratamento adequado e principalmente tiverem espaço para mostrar o quanto são capazes.
Em matéria para a BBC News, o diretor do projeto de neurodiversidade da Universidade Stanford (EUA), Lawrence Fung, fez inclusive questão de afirmar que as neurodivergências encontradas em algumas pessoas “é só uma forma de descrever que nossos cérebros são diferentes e, como qualquer ser humano, não será bom em tudo (...) a diversidade de gênero é algo que pode ser facilmente identificado, assim como a diversidade étnico-racial, porque se pode enxergá-la. Mas a neurodiversidade é algo que não pode ser visto na maior parte do tempo", descreveu.
Portanto, tão importante quanto o respeito às diferenças é a necessidade de se promover um lugar onde essas pessoas possam soltar a sua voz, os seus talentos e contribuírem para um mundo social e economicamente melhor.
De acordo com os resultados divulgados este ano pelo programa Neurodiversidade no Trabalho, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, cerca de 15% a 20% da população mundial é considerada neurodiversa. Portanto, o outro montante de pessoas não diagnosticadas, que se intitulam sem problemas cognitivos, podem facilmente fazer parte dessa estatística.
Os últimos dados do Ministério da Saúde mostram que o TDAH, por exemplo, atinge cerca de 5% a 8% da população mundial, mas esse número pode ser ainda maior por não incluir os possíveis casos de pessoas que desconhecem ter o transtorno.
É por isso que precisamos falar cada vez mais sobre os assuntos relacionados à saúde mental dentro e fora das empresas.
Quanto mais propagarmos as diversas formas de funcionamento dos cérebros, maior a possibilidade de inclusão, tratamento e recursos para sabermos lidar com o diferente e percebermos que na verdade, é um mero detalhe e que pode até ser um diferencial positivo.
Afinal, como já dizia o educador e filósofo Paulo Freire, “a inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades”.
Por Elaine Medeiros, jornalista e psicóloga