Otimismo ou positividade tóxica?

Pollyanna é uma menina de onze anos que, após perder seu pai, vai morar com uma tia má que até então não conhecia. Para não encarar os problemas que enfrentava, passa a utilizar o “jogo do contente”. Esse jogo consistia basicamente em ver um lado positivo em tudo, até mesmo nas situações mais difíceis.

Esta é a personagem central do livro homônimo escrito por Eleanor H. Porter, em 1913, e que é um clássico da literatura infantojuvenil. Tornou-se sinônimo da pessoa excessivamente otimista e até ingênua e também define um padrão de comportamento chamado Síndrome de Poliana.

Uma explicação para essa conduta é de que, no nível subconsciente, a mente tende a focar no otimismo; enquanto no consciente, ela se concentra no negativo.

Claro que todos gostaríamos de nos apegar somente aos aspectos positivos das nossas vivências. Mas, será que isso nos tornaria realmente felizes?

Parece que não, já que o excesso de positividade ganhou até um adjetivo negativo: tóxica. E pode nos trazer consequências como a fuga da realidade ou a obrigação de nos sentirmos otimistas e felizes, mesmo quando não estamos assim.

E negar nossos sentimentos de tristeza não é algo positivo!

“Qualquer tentativa de escapar do negativo, evitá-lo, sufocá-lo ou silenciá-lo, falha. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento”, escreveu o autor americano Mark Manson em seu best seller A Arte Sutil de Ligar o Foda-se.

Ele defende que, ao invés de tentar serem felizes o tempo todo, as pessoas devem mudar a forma como lidam com os problemas.

Segundo a Psicóloga e especialista da Mental Clean, Marinalva Gonçalves Requião, a positividade tóxica se amplificou com as redes sociais.

“Há pessoas que retratam uma vida irreal e de fantasia pelas mídias sociais, exaltando uma positividade ou situações que não condizem com a realidade. Quem recebe ou vê esse tipo de informação pode entrar em um sentimento de euforia ou tristeza baseado no que imagina e questionar seus próprios sentimentos”, explica a Psicóloga.

Marinalva afirma que esse padrão de postagens na internet, com exposições nos ambientes pessoais e profissionais – irreal na maioria das vezes – leva para a pessoa que consome a informação a sensação de que há algo de errado com ela e a obrigação de também estar feliz.

Os interesses econômicos, políticos e sociais estão presentes na maioria das ações, nas redes sociais ou fora dela. Por isso, a psicanalista Lívia Ferreira questionou em uma recente Live, no Instagram, sobre o tema positividade tóxica: “A quem interessa o pensamento positivo custe o que custar?”

Ela esclarece, como exemplo, que não é contra o uso de medicação psicotrópica, mas questiona o seu uso em algumas circunstâncias. “Com a pandemia, aumentou muito o número de pessoas tomando ansiolítico. É como se estar ansioso na pandemia fosse uma falha nossa. E o uso de medicação, muitas vezes, vem como forma de mascarar uma angústia que teria que ser tratada de outras formas. E nesses maus usos tem sempre alguém lucrando”, afirmou.

A mensagem de otimismo a qualquer preço, na avaliação da psicanalista, “leva para o indivíduo, responsabilidades e lutas que seriam coletivas, políticas e sociais. Então, isso é uma outra coisa da toxicidade, essa alienação. É acreditar que o problema está em você apenas e tentar resolver isso de forma pessoal”.

Mas isso quer dizer que devemos ser negativos diante das situações mais difíceis da vida?

“Não”, enfatiza a Psicóloga da Mental Clean ao explicar que ser otimista é também ser realista. “Não se nega a gravidade do cenário atual, mas ainda assim se mantém otimista em relação ao que virá depois. Podemos ser otimistas pensando que iremos superar e quem sabe erradicar esse vírus, restabelecendo a ordem, mas sendo realista de que a situação não está fácil, mas que pode melhorar”, sugere Marinalva.

Porém, nem sempre ser otimista é uma tarefa fácil. De acordo com a Psicóloga, são necessários exercícios diários de autoconfiança e autoestima, que são desenvolvidos por meio do autoconhecimento. “Quando há um equilíbrio entre saúde mental e bem-estar, automaticamente existe uma sensação de que vai dar certo, ainda que a situação esteja desfavorável”, pontua.

É possível aumentar o nosso bem-estar diário sem fugir da realidade. Algumas atividades como meditação, yoga, dança, momentos de lazer, além de uma alimentação equilibrada, contribuem para um dia a dia mais saudável e pleno. Com isso, nosso cérebro atua de forma muito mais positiva.

“É como se, ao praticar o bem, recebêssemos pílulas de bom ânimo todos os dias. Mesmo que o momento esteja difícil, o cérebro deixa de agir negativamente contribuindo para o otimismo prevalecer”.

Muitas vezes, no entanto, precisamos de ajuda profissional para alcançar esse equilíbrio, por isso a ajuda de um psicólogo é sempre bem-vinda!

Afinal, em excesso, até a positividade faz mal à saúde!